Você.

17 ago

Você deixava vazio. Tudo que tocava perdia a cor, o sabor, as horas, a inspiração. Até meu corpo ficou oco. Pronto para o eco de um alfinete ou de um cigarro.

E assim tudo se tornava parte da paisagem, da decoração, do ócio. A mente era só o que não pensava, o que não criava. As palavras já saíam surdas e o céu tinha sempre um véu acinzentado que impedia o gosto da exatidão.

Tudo era insignificante. Mas de uma insignificância fundamental.

 

De Cristiane Gutierrez para O Beijo

Hoje publico o texto de um gigantesco amigo. Obrigada.

29 jun

C.R.I.S.

O maior mistério da humanidade não é se existe vida em outros planetas. Muito menos a eterna pergunta de onde viemos e para onde vamos. Engana-se quem pensa que é: será que conseguirei pagar minha fatura de crédito no final desse mês? Pra mim, o maior mistério da humanidade é: o que se passa na cabeça de uma mulher? Oh negocinho complicado esse! Dia desses comentei com uma amiga. – Vocês deveriam vir com um manual de instruções! – Amigo, nem a gente se entende! – respondeu sabiamente, como elas sempre são.

É, se nem elas conseguem se decifrar, imagine o que significa essa tarefa para nós, homens. Foi tentando entender o comportamento da Cris que me deparei com o maior mistério da humanidade. Como é que um ser tão bonitinho, tão pequenininho, pode ser tão complicadinho?

Não conseguia entender as mudanças de comportamento, as aproximações e os sumiços, o abraço e a palavra mais dura, a admiração e a chateação, nada disso. Ficava me questionando por que. Onde estará o erro? Será de fabricação? Ou seria eu que não aprendi a manusear tão bem? Existiria mesmo um erro? Enfim… Mas foi aí que descobri que Cris não era um nome. Muito menos um apelido carinhoso com o qual ela gostava de ser identificada.

CRIS é um código que ainda estou tentando decifrar. Ela deve ser um produto fabricado por uma dessas agências secretas do governo criado com o único objetivo de me confundir. Não é a Cris é o C.R.I.S. O que significam as iniciais desse código? Será que represento uma ameaça tão grande assim, a ponto dessa arma secreta ter sido criada só para me confundir?

Quando fomos apresentados – em uma terça-feira de Carnaval – a C.R.I.S. era a: Carismática, Risonha, Inteligente e Simpática. É claro que me encantei. Mas não demorou muito para aquele código começar a se transformar em um quebra-cabeças. Foi em uma TPM que descobri que a C.R.I.S. poderia ser Carrancuda, Ranzinza, Impaciente e Sarcástica. Mas essa não era a fase que mais me chamava a atenção. O que ela era mesmo era contraditória. Quem sabe Carinhosa, Raivosa, Inconseqüente e Sábia. Não, não poderia ser… Eu tinha de descobrir aquele código! Aquelas quatro letrinhas poderiam até não ter um significado tão claro para mim, mas já tinham dado um novo significado para a minha vida. Com ela eu me sentia mais Carinhoso, Responsável, Inovador e Seguro. Era o código tomando conta de mim.

A verdade disso tudo é que independente do que venha a ser significado do C.R.I.S., pra mim ela vai ser sempre a Cris. Assim mesmo, cativante, rara, instigante, sensacional e todas as demais qualidades e (e por que não) defeitos que cabem em todas as mulheres.

De Elton Viana

Breve saudade

1 maio

Quase pude sentir o cheiro ácido de sua pele branca. E o perfume que disfarça sua essência saltou impregnado em minha memória. Meu corpo está agitado. Já não posso dormir como antes. Foi um gole de café amargo depois das 21 horas.

Penso no seu cabelo avermelhado se arriscando em ondas pelas minhas mãos. Sinto seus lábios finos tocando meu corpo solitário.

Já não consigo lembrar porque nos envolvemos tão pouco. Porque deixamos o prazer de nossas mentes ficarem mudos e acreditamos que era mesmo tudo tão banal.

Ainda estamos vivos, é fato. Temos essa vantagem.

De Cristiane Gutierrez para O Beijo

Verso para o prazer

23 abr

Serei toda teu corpo
Serás tudo, minha carne
Que quando em mim penetrar a alma
Em ti gozarei o sexo

E pensarei em teu corpo
Dividirei teu sabor
E serei toda tua
Tua em pele, tua em dor

Toda tua na pureza
Toda tua na alegria
Toda tua na fantasia
Toda tua no dissabor

No dissabor de não saberes
Se toda tua sou

De Cristiane Gutierrez para O Beijo

Indecifrável

27 fev

Ela chora inexplicavelmente. Sinto sua dor vazia. Me entristeço com o que ainda não consegue compreender. É das brincadeiras inesperadas, das mãos carinhosas e do odor de rosas que ela sente falta. É do abraço na madrugada e da voz firme e sussurrante que a carregava nos braços.

Mas ela está esquecendo de chamar seu nome. De repente você vai apagando a força da sua poesia. Já não há mais a mesma necessidade de afeto e a sua presença é substituída por um outro amor, que fica cada dia mais puro naquele indecifrável coração.

Talvez ela lamente o que não pôde ter vivido ao seu lado. Quem sabe sinta falta das viagens que não aconteceram e das noites em que não teve seu afago. Quem sabe ela nem perceba.

Cristiane Gutierrez para O Beijo

Promessa

24 fev

Serei fiel a você
E se um dia hei de querer
Com outro entardecer
Farei meu corpo desvanecer
Pois é promessa a lealdade do meu ser

Serei toda tortura
Se um dia meu ser de candura
Por desgosto ou amargura
Trair teu corpo em loucura
E fizer do encanto a cura
Para a falta de formosura

Darei tudo em teu prazer
E quando um dia não mais hei de te querer
Serei do universo o anoitecer
Será meu corpo padecer

Cristiane Gutierrez para O Beijo

Entre as minhas pernas

21 fev

Entre as minhas pernas, meu futuro
Entre as minhas pernas, negação
Entre as minhas pernas, um novo mundo
Entre as minhas pernas, o poder e a razão

Entre as minhas pernas os sentimentos mais puros
Entre as minhas pernas a essência de amar
Entre as minhas pernas os sabores impuros
E o desgosto de quem não sabe se ofertar

Entre as minhas pernas tudo apenas prazer
Entre as minhas pernas todo o meu saber
Entre as minhas pernas a fraqueza de ser só querer

Entre as minhas pernas os erros como satisfação
Entre as minhas pernas a certeza do engano e da ilusão
Ilusão de que entre minhas as pernas não está meu coração

Cristiane Gutierrez para O Beijo

Da inocência

17 fev

Ela tinha a diabólica inocência dos 15 anos. Estava pronta para experimentar a vida com seu rosto de boneca e seu corpo aveludado. Era uma juventude e uma sagacidade incompatíveis naquela jovem mulher. Há dois ou três anos ainda brincava como criança. Levava para onde ia um cachorrinho de pelúcia barata que sua mãe havia lhe dado aos cinco anos.

Mas a verdade é que desde muito menina já gostava de sentir os olhares dos garotos no colégio. Contava orgulhosa que eram todos seus namorados. A beleza começava a fazer sentido para ela.  Dava sorrisos para receber pequenas carícias e sentia-se flutuar quando brigavam pela sua atenção.

Pensava na sensação de um beijo, quando a maioria ainda queria brinquedos novos e um dia de diversão no parque. Já havia nascido prazer. E precisava descobrir ainda mais o outro. Todos os outros. O ardor da língua na boca, o toque nas partes mais sensíveis de seu corpo. Não podia parar.

Envolvia os tolos garotos simulando uma pureza que nunca havia carregado consigo. Todos a idolatravam e ela os usava um por um. Traia, mentia, enganava, com a naturalidade de quem não planeja, apenas faz.

As vezes se perguntava porque agia assim, e chorava pelas dores que já havia causado. Sentia remorso e culpa e não entendia porque não conseguia apenas mudar.

Aos 16 já tinha 25 anos. E foi ai que tempo de suas atitudes impensadas a surpreendeu. Ele era sete anos mais velho, cabelos finos e loiros e um corpo maduro e atraente. Muito diferente do que ela estava acostumada a provar. E ela o desejou. Precisava saber o que ele a poderia ensinar. E então o atraiu e o fez acreditar que era ainda mais mulher. Mas foi ele que a envolveu.

A busca pelo que ainda poderia viver e sentir a levou para aquela sala escura. A luz da varanda iluminava levemente seus rostos. Ela permaneceu em pé. Queria apenas sentir o toque. Precisava que ele admirasse sua beleza. Que elogiasse seus seios arredondados e sua boca desenhada com perfeição.

Mas ele já não era mais um inexperiente menino e se mostrou irritado com sua aparente imaturidade. Obrigou que deitasse no velho e apertado sofá de madeira. Ela pediu em desespero que não continuassem. Ele não a escutou. Estava fascinado pelo que ainda permanecia intocado. Tapou sua boca com uma das mãos e tirou o que a vestia com a outra.

Ela não sentiu prazer. Só uma dor sufocada que percorreu durante anos seu corpo. Morreu naquele instante. Não queria mais ser tocada. Não podia mais se sentir mulher.

Cristiane Gutierrez para O Beijo

Pelo caminho

15 fev

Eram cinco horas e o dia acordava clareando o estreito corredor. Ela estava sentada ali há um longo tempo. Com a cabeça encostada nos joelhos e o rosto sem expressão. Não pôde mais se deitar em sua cama, nem sentir o cheiro de alfazema que vinha de seu cobertor. Fazia muito frio e  o quarto que já havia sido aconchegante, poderia agora congelar sua alma.

Ele havia compartilhado daqueles móveis até o dia anterior. A geladeira ainda guardava uma fatia da pizza que haviam feito juntos. As fotos na prateleira tinham seu rosto. Sua essência permanecia naquilo que não poderia carregar.

A música e sorrisos deixados por ele estavam impregnados nas portas e janelas. Os armários revelavam a sabedoria e os conflitos dos longos anos vividos ali. Tudo chegara ao fim. E para ela só restava deixar as lembranças serem consumidas pelo tempo.

Já pensava no que deveria almejar. Imaginava rapidamente uma nova vida, uma outra possibilidade para continuar. Voou para longe. Não pensava mais em voltar.

Cristiane Gutierrez para O Beijo

Corpo

15 fev

Ele pediu que ela tomasse banho para tirar o perfume. Magro e com aparência envelhecida, carregava consigo uma bolsa pequena, azul marinho, contendo todos os aparatos necessários para aquela noite.

Oi – disse a pequena moça de olhos negros e brilhantes que saia do banho naquele momento.

Que lábios lindos – respondeu o homem quebrando as formalidades do cumprimento.

Seus cabelos permaneciam secos e o corpo de proporções delicadas já estava nú. Pronta para o longo trabalho – que pela aparência do homem não deveria levar mais de uma hora – a jovem se acomodou nos lençóis macios daquele quarto de Motel.

O cheiro dele a fazia lembrar da avó de um antigo namorado, morta há alguns anos. Ela fechou os olhos para esquecer. Sentia os lábios ásperos beijando suas costas e pêlos grossos arranhando sua pele macia. Durou meia hora. Entre as carícias e as conversas inesperadas.

Levantou. Sorriu para o velho homem. Tomou outro banho. Pegou o dinheiro em cima do balcão. Vestiu suas roupas e saiu.

Cristiane Gutierrez para O Beijo